sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sob o Sol da Índia...


"Lakshmi era a deusa da prosperidade. Viva ja sabia que, naquela noite, cada porta em Byculla estaria aberta paraque ela pudesse entrar espalhar sua generosidade.E depois os fogos de artifício: rodas de Santa Catarina cuspindo fogo como se fossem respingos de gordura no ar danoite, recendendo a laranja, e depois o estouro dos rojões, tingindo os rostos das crianças de luzes azuis, amarelas e cor de rosa, efazendo com que a enorme multidão ficassese sem fôlego de puro encanto.

Duas semanas antes, quando os comerciantes começaram a amolar as pessoas pedindo doações para a festa de Diwali, tocando o sino no portão do orfanato, interrompendo as aulas pedindo dinheiro para os fogos de artifício, Viva tinha reclamado com Dayse que aquilo parecia uma péssima despesa, deixar todo aquele dinheiro se transformar em fumaça. Agora via que estava errada.

Ali estava a essência daquela festa: naquela noite, a mais escura do ano, em um dos países mais pobres da terra, a esperança estava sendo celebrada. E ela era parte disso, ali em pé, embasbacada, humilhada pela alegria imbatível deles, por sua fé em que as coisas poderia mehorar."

{página: 428 - Julia Gregson}
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quinta-feira, 30 de julho de 2009

Também penso assim...

"Em geral quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, um misto de alegria, alívio e vaga tristeza. Relendo a obra mais tarde, quase sempre penso ‘Não era bem isto o que queria dizer’."

{Érico Veríssimo}
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quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sob o Sol da Índia...

"{...}
Viva havia combatido esses sentimentos por alguns dias, mas naquela manhã, sem uma razão que ela conseguisse identificar, acordou se sentindo mais otimista. Abriu os olhos pela primeira vez ouviu passarinhos cantando na figueira do lado de fora, e a escolha parecia ridicularmente clara: ela poderia afundar ou nadar, e estava pronta para nadar outra vez."

{página: 208}

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terça-feira, 21 de julho de 2009

Orgulho e Preconceito...


Jane: Grande parte das vezes é a nossa própria vaidade que nos ilude. Para as mulheres, a admiração que elas crêem no objeto significa mais do que aquilo de fato se trata.

Elizabeth: E são os homens que se encarregam de as convencer.

Jane: Se é propositalmente que o fazem, não têm desculpa; mas não creio que no mundo haja tanta duplicidade, como a maioria das pessoas pretende fazer acreditar.

Elizabeth: Estou longe de atribuir à duplicidade alguma faceta do comportamento de Mr. Bingley; mas o que certo é que, mesmo sem se planejar fazer o mal ou tornar os outros infelizes, podem-se criar situação de equívoco e sofrimento. Refiro-me à inconsistência, à falta de atenção para com os sentimentos dos outros e à falta de poder de resolução.

{Jane Austen}
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sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Cidade do Sol...



“{...}
Laila fechou os olhos e ficou sentada ali por um instante.
Ás vezes, quando estava no Paquistão, achava difícil lembrar do rosto de Mariam em detalhes. Houve até algumas ocasiões em que os traços lhe escapavam, como uma palavra que está na ponta da língua. Mas agora, naquele lugar, é fácil evocar a lembrança de Mariam por trás de suas pálpebras cerradas. O brilho manso de seu olhar, o queixo comprido, a pele curtida de seu pescoço, o sorriso naqueles lábios finos. Aqui, Laila podia voltar a deitar a cabeça no colo macio de Mariam, senti-la balançando o corpo para frente e para trás, recitando versículos do Corão, e podia sentir as palavras vibrando por aquele corpo, chegando aos joelhos e, de lá, a seus ouvidos.
De repente, as ervas daninhas começaram a desaparecer, como se algo puxasse pelas raízes bem lá no fundo da terra. E elas foram afundando, até que o chão da kolba engoliu a última de suas folhas pontiagudas. Num passe de mágica, as teias de aranha se desfizeram. O ninho de passarinho se desmanchou, com os gravetos soltando um a um, e voando porta afora para longe do casebre. Uma borracha invisível apagou as letras russas da parede.
As tábuas do assoalho estão de volta. Nesse momento, Laila pode ver dois catres, uma mesa de madeira, duas cadeiras, um fogareiro de ferro fundido num canto, prateleiras pelas paredes, abrigando vasilhas e panelas, um serviço de chá escurecido, xícaras e colheres. Ouve as galinhas cacarejando ali fora e, mais ao longe, o gorgolejo do riacho.
Uma jovem Mariam está sentada junto à mesa, fazendo uma boneca à luz de uma lamparina a óleo. Está cantarolando. Tem o rosto suave e juvenil, o cabelo foi lavado e penteado para trás. E não lhe falta nenhum dente.
Laila a vê colar pedaços de lã na cabeça da boneca. Em poucos anos essa menina vai se tornar uma mulher que pede muito pouco da vida, que nunca incomoda ninguém, nunca deixa transparecer que ela também tem tristezas, desapontamentos, sonhos que foram menosprezados. Uma mulher que vai ser como uma rocha no leito de um rio, suportando tudo isso sem se queixar. Uma mulher cuja generosidade. Longe de ser contaminada, foi forjada pelas turbulências que se abateram sobre ela. Laila já consegue ver algo nos olhos daquela menina. Algo tão arraigado que nem Rashid nem os talibãs conseguiram destruir. Algo tão rijo e inabalável quanto um bloco de calcário. Algo que, afinal, acabou sendo, sua ruína e a salvação de Laila.
A menina ergue os olhos. Deixa a boneca de lado. E sorri.
“Laila jô?”
Assustada, Laila abre os olhos. {...}"

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“{...}
Laila decidiu porém, que não deixaria abater pelo ressentimento. Mariam não gostaria de vê-la agir assim. “Para que?”, indagaria ela, com aquele seu sorriso a um só tempo ingênuo e cheio de sabedoria. “De que adianta ficar assim Laila jô?” “Portanto, resolveu seguir tocando a vida. Faria isso por si mesma, por Tariq e por seus filhos. E por Mariam, que continuava a visita-la em sonhos; que, de certa forma, estava sempre ali, em tudo que ela fizesse. E seguiu tocando a vida. Porque, no fundo, sabia que era tudo o que podia fazer.”

(páginas: 353 e 354; 361)

{Trecho Extraído do Livro: A Cidade do Sol – Khaled Hosseini}

((Lido em Agosto de 2007))

Sinopse: Mariam tem 33 anos. Sua mãe morreu quando ela tinha 15 anos e Jalil, o homem que deveria ser seu pai, a deu em casamento a Rasheed, um sapateiro de 45 anos. Ela sempre soube que seu destino era servir seu marido e dar-lhe muitos filhos. Mas as pessoas não controlam seus destinos.Laila tem 14 anos. É filha de um professor que sempre lhe diz: "Você pode ser tudo o que quiser." Ela vai à escola todos os dias, é considerada uma das melhores alunas do colégio e sempre soube que seu destino era muito maior do que casar e ter filhos. Mas as pessoas não controlam seus destinos.Confrontadas pela História, o que parecia impossível acontece: Mariam e Laila se encontram, absolutamente sós. E a partir desse momento, embora a História continue a decidir os destinos, uma outra história começa a ser contada, aquela que ensina que todos nós fazemos parte do "todo humano", somos iguais na diferença, com nossos pensamentos, sentimentos e mistérios.
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Opinião: A Cidade do Sol não é fruto de sua imaginação, infelizmente. Execução de pessoas, discriminação contra as mulheres que vivem enclausuradas em suas burcas e humilhações são apenas alguns dos ingredientes que fazem do livro um verdadeiro aprendizado sobre a cultura de um país marcado pela violência.
O texto de Khaled Hosseini, na verdade, conta a história de duas mulheres, Mariam e Laila, que apesar de serem tão diferentes, se cruzam no meio do caminho e passam a ter vidas tão iguais. As duas representam a vida de milhares de afegãs que têm seus sonhos vetados, impedidos, mas que, ainda sim, continuam lutando para ter uma vida mais digna. O amor e a amizade são alguns dos focos principais do livro, assim como a busca pela felicidade permeada pela presença constante da esperança. A cada página uma surpresa.
O título A thousand splendid suns se refere a Cabul e a um poema "Mil sóis esplêndidos" lido por um personagem. "Não se podem contas as luas que brilham em seus telhados, nem os mil sóis esplêndidos que se escondem por trás de seus muros".Com final mais emocionante ainda, A Cidade do Sol deixa um gostinho de quero mais no leitor
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Editora: Nova Fronteira
Assunto: Literatura Estrangeira
ISBN: 9788520920107
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 368

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O Caçador de Pipas...

Dezembro de 2001

Eu me tornei o que sou hoje aos doze anos, em um dia nublado e gélido do inverno de 1975. Lembro do momento exato em que isso aconteceu, quando estava agachado por detrás de uma parede de barro parcialmente desmoronada, espiando o beco que ficava perto do riacho congelado. Foi há muito tempo, mas descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado, essa história de que podemos enterrá-lo. Porque, de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar. Olhando para trás, agora, percebo que passei os últimos vinte e seis anos da minha vida espiando aquele beco deserto.

Um dia, no verão passado, meu amigo Rahim Khan me ligou do Paquistão. Pediu que eu fosse vê-lo. Parado ali na cozinha, com o fone no ouvido, sabia muito bem que não era só Rahim Khan que estava do outro lado daquela linha. Era o meu passado de pecados não expiados. Depois que desliguei, fui passear pelo lago Spreckels, na orla norte do parque da Golden Gate. O sol do início da tarde cintilava na água onde navegavam dezenas de barquinhos em miniatura, impulsionados por um ventinho ligeiro. Olhei então para cima e vi um par de pipas vermelhas planando no ar, com rabiolas compridas e azuis. Dançavam lá no alto, bem acima das árvores da ponta oeste do parque, sobre os moinhos, voando lado a lado como um par de olhos fitando San Francisco, a cidade que eu agora chamava de lar. E, de repente, a voz de Hassan sussurrou nos meus ouvidos: "Por você, faria isso mil vezes!" Hassan, o menino de lábio leporino que corria atrás das pipas como ninguém.

Sentei em um banco do parque, perto de um salgueiro. Pensei em uma coisa que Rahim Khan disse um pouco antes de desligar, quase como algo que lhe houvesse ocorrido no último minuto. "Há um jeito de ser bom de novo". Ergui os olhos para as pipas gêmeas. Pensei em Hassan. Pensei em baba. Em Ali. Em Cabul. Pensei na vida que eu levava até aquele inverno de 1975 chegou para mudar tudo. E fez de mim o que sou hoje.

((Lido em 2004))

{Trecho Extraído do livro: O Caçador de Pipas – Khaled Hosseini}

Sinopse: Este é um romance emocionante, envolvente, que nos cativa logo nas primeiras páginas. Livro de estréia de Khaled Hosseini, "O Caçador de Pipas" é uma narrativa insólita e eloqüente sobre a frágil relação entre pais e filhos, entre os seres humanos e seus deuses, entre os homens e sua pátria. Uma história de amizade e traição, que nos leva dos últimos dias da monarquia do Afeganistão às atrocidades de hoje. Amir e Hassan cresceram juntos, exatamente como seus pais. Apesar de serem de etnias, sociedades e religiões diferentes, Amir e Hassan tiveram uma infância em comum, com brincadeiras, filmes e personagens. O laço que os une é muito forte: mamaram do mesmo leite, e apenas depois de muitos anos Amir pôde sentir o poder dessa relação. Amir nunca foi o mais bravo ou nobre, ao contrário de Hassan, conhecido por sua coragem e dignidade. Hassan, que não sabia ler nem escrever, era muitas vezes o mais sábio, com uma aguda percepção dos acontecimentos e dos sentimentos das pessoas. E foi esse mesmo Hassan que decidiu que Amir seria, durante a batalha da pipa azul, uma pipa que mudaria o destino de todos. No inverno de 1975, Hassan deu a Amir a chance de ser um grande homem, de alterar sua trajetória e se livrar daquele enjôo que sempre o acompanhava, a náusea que denunciava sua covardia. Muito depois de desperdiçada a última chance, Hassan, a calça de veludo cotelê marrom e a pipa azul o fizeram voltar ao Afeganistão, não mais àquele que ele abandonara há vinte anos, mas ao Afeganistão oprimido e destruído pelo regime Talibã. Amir precisava se redimir daquele que foi o maior engano de sua vida, daquel dia em que o inverno foi mais cruel. Este romance já vendeu mais de 2 milhões de exemplares, só nos EUA, está há um ano nas mais importantes listas de mais vendidos do mercado americano e da Europa e já é considerado o maior sucesso da literatura mundial dos últimos tempos.
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Opinião: Um livro tocante no que diz respeito as relações humanas... Nossas escolhas nos moldam e aqueles que estão a nossa volta... Num momento em que o mundo vira os olhos para um país esquecido e dominado pelo brutalidade, nos deparamos com erros que precisam ser concertados... E essa tentativa de redenção é uma benção para os olhos que leem essas páginas... O livro é imperdível!

Editora: Nova Fronteira
Assunto: Literatura Estrangeira
ISBN: 8520917674
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 368

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O Mestre das Iluminuras...

“{...}
Briony jamais pôde se consolar com o pensamento de que fora pressionada ou intimidada. Porque isso não aconteceu. Briony caiu numa arapuca armada por ela própria, penetrou num labirinto construído por suas próprias mãos, e era jovem demais, estava impressionada demais, excessivamente sequiosa de agradar aos outros, para insistir numa retração. Não possuía essa independência de espírito, nem tinha idade suficiente para isso. Uma platéia imponente se congregara em torno de suas certezas iniciais, e agora estava esperando; ela não podia decepcioná-la ao pé do altar. A única maneira de neutralizar suas dúvidas era afundar ainda mais. Aferrando-se ao que julgava saber, estreitando seus pensamentos, reiterando seu depoimento, conseguiu evitar pensar na catástofre que apenas intuía estar causando. Quando a questão foi encerada, quando foi pronunciada a sentença e a platéia se despersou, um implacável esquecimento juvenil, um apagamento consciente, protegeu-a durante boa parte da adolescência.
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{...}

Ele caminhou com ela até Whitehall, em direção ao ponto de ônibus. Naqueles últimos minutos preciosos, ele passou-lhe o endereço, uma seqüência árida de siglas e números. Explicou que só voltava a ter licença depois que terminasse o treinamento básico. Então teria duas semanas. Ela olhava para ele balançando a cabeça, numa espécie de irritação, até que, por fim ele tomou-lhe a mão e apertou-a. Aquele gesto tinha que conter tudo o que não lhe fora dito, e ela respondeu com um aperto também. O ônibus chegou, e ela não soltou a mão. Estavam parados face a face. Ele beijou-a, primeiro de leve, mais depois aproximou-se mais, e, quando suas línguas se tocaram uma parte desincorporada de si próprio sentiu uma gratidão abjeta, pois ele sabia que tinha agora no banco de sua memória uma lembrança a que haveria de recorrer por meses. Era o que fazia agora, num celeiro da França, altas horas da madrugada. Abraçaram-se com mais força e continuaram a se beijar enquanto as pessoas passavam por eles na fila. Um gozador gritou alguma coisa no ouvido dele. Ela chorava, suas lágrimas caiam no rosto dele, sua dor retesava seus lábios, apertados contra o dele. Chegou outro ônibus. Ela se desprendeu, apertou-lhe o pulso, entrou no ônibus sem dizer palavra, sem olhar prá trás. Ele a viu encontrar um lugar e, quando o ônibus partiu, deu-se conta de que deveria ter ido com ela até o hospital. Havia desperdiçado minutos de sua companhia. Precisava reaprender a pensar e agir por conta própria. Começou a correr a Whitehall, na esperança de alcançar um ônibus na próxima parada. Porém o ônibus já estava muito distante, e logo desapareceu perto da Parlament Square.
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*
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{...}

Tudo o que queria fazer era trabalhar, depois tomar um banho e dormir até chegar a hora de trabalhar de novo. Mas nada daquilo adiantava, ela sabia. Por mais que se esfalfasse em trabalhos braçais e nas tarefas mais humildes da enfermagem, por melhores e mais intensos que fossem os seus esforços, por mais que houvesse aberto mão dos conhecimentos que lhe proporcionaria o estudo, da oportunidade de viver num campus de universidade, ela jamais poderia desfazer o mal que causara. Ela não tinha perdão.”
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((Páginas: 206; 247 e 248; 341))

{Trechos Extraídos do Livro: Reparação – Ian MacEwan}

Sinopse: "Na tarde mais quente do verão de 1935, na Inglaterra, a adolescente Briony Tallis vê uma cena que vai atormentar a sua imaginação: sua irmã mais velha, sob o olhar de um amigo de infância, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. A partir desse episódio e de uma sucessão de equívocos, a menina, que nutre a ambição de ser escritora, constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. Comete um crime com efeitos devastadores na vida de toda a família e passa o resto de sua existência tentando desfazer o mal que causou."

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Opinião: Simplesmente AMEI esse livro... Os personagens são muito bem acabados, a história e a época em que é ambientado são perfeitas... Tudo se encaixa como se fosse mágica... O final é surpreendente e muito bem bolado... Tudo o que deveria ser vivido e não foi por puro esgoismo de uma menina... Com certeza os personagens principais ficarão guardados comigo para sempre!!


P.S.: O filme também vale muito a pena! Assista ao trailer Aqui!

Editora: Companhia das Letras
Assunto: Literatura
ISBN: 853590235X
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 448

terça-feira, 7 de julho de 2009

Reparação...

“{...}
Briony jamais pôde se consolar com o pensamento de que fora pressionada ou intimidada. Porque isso não aconteceu. Briony caiu numa arapuca armada por ela própria, penetrou num labirinto construído por suas próprias mãos, e era jovem demais, estava impressionada demais, excessivamente sequiosa de agradar aos outros, para insistir numa retração. Não possuía essa independência de espírito, nem tinha idade suficiente para isso. Uma platéia imponente se congregara em torno de suas certezas iniciais, e agora estava esperando; ela não podia decepcioná-la ao pé do altar. A única maneira de neutralizar suas dúvidas era afundar ainda mais. Aferrando-se ao que julgava saber, estreitando seus pensamentos, reiterando seu depoimento, conseguiu evitar pensar na catástofre que apenas intuía estar causando. Quando a questão foi encerada, quando foi pronunciada a sentença e a platéia se despersou, um implacável esquecimento juvenil, um apagamento consciente, protegeu-a durante boa parte da adolescência.
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{...}

Ele caminhou com ela até Whitehall, em direção ao ponto de ônibus. Naqueles últimos minutos preciosos, ele passou-lhe o endereço, uma seqüência árida de siglas e números. Explicou que só voltava a ter licença depois que terminasse o treinamento básico. Então teria duas semanas. Ela olhava para ele balançando a cabeça, numa espécie de irritação, até que, por fim ele tomou-lhe a mão e apertou-a. Aquele gesto tinha que conter tudo o que não lhe fora dito, e ela respondeu com um aperto também. O ônibus chegou, e ela não soltou a mão. Estavam parados face a face. Ele beijou-a, primeiro de leve, mais depois aproximou-se mais, e, quando suas línguas se tocaram uma parte desincorporada de si próprio sentiu uma gratidão abjeta, pois ele sabia que tinha agora no banco de sua memória uma lembrança a que haveria de recorrer por meses. Era o que fazia agora, num celeiro da França, altas horas da madrugada. Abraçaram-se com mais força e continuaram a se beijar enquanto as pessoas passavam por eles na fila. Um gozador gritou alguma coisa no ouvido dele. Ela chorava, suas lágrimas caiam no rosto dele, sua dor retesava seus lábios, apertados contra o dele. Chegou outro ônibus. Ela se desprendeu, apertou-lhe o pulso, entrou no ônibus sem dizer palavra, sem olhar prá trás. Ele a viu encontrar um lugar e, quando o ônibus partiu, deu-se conta de que deveria ter ido com ela até o hospital. Havia desperdiçado minutos de sua companhia. Precisava reaprender a pensar e agir por conta própria. Começou a correr a Whitehall, na esperança de alcançar um ônibus na próxima parada. Porém o ônibus já estava muito distante, e logo desapareceu perto da Parlament Square.
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Tudo o que queria fazer era trabalhar, depois tomar um banho e dormir até chegar a hora de trabalhar de novo. Mas nada daquilo adiantava, ela sabia. Por mais que se esfalfasse em trabalhos braçais e nas tarefas mais humildes da enfermagem, por melhores e mais intensos que fossem os seus esforços, por mais que houvesse aberto mão dos conhecimentos que lhe proporcionaria o estudo, da oportunidade de viver num campus de universidade, ela jamais poderia desfazer o mal que causara. Ela não tinha perdão.”
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((Páginas: 206; 247 e 248; 341))

{Trechos Extraídos do Livro: Reparação – Ian MacEwan}

Sinopse: "Na tarde mais quente do verão de 1935, na Inglaterra, a adolescente Briony Tallis vê uma cena que vai atormentar a sua imaginação: sua irmã mais velha, sob o olhar de um amigo de infância, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. A partir desse episódio e de uma sucessão de equívocos, a menina, que nutre a ambição de ser escritora, constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. Comete um crime com efeitos devastadores na vida de toda a família e passa o resto de sua existência tentando desfazer o mal que causou."

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Opinião: Simplesmente AMEI esse livro... Os personagens são muito bem acabados, a história e a época em que é ambientado são perfeitas... Tudo se encaixa como se fosse mágica... O final é surpreendente e muito bem bolado... Tudo o que deveria ser vivido e não foi por puro egoismo de uma menina... Com certeza os personagens principais ficarão guardados comigo para sempre!!


P.S.: O filme também vale muito a pena! Assista ao trailer Aqui!

Editora: Companhia das Letras
Assunto: Literatura
ISBN: 853590235X
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 448

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Crepúsculo...

Querendo ler:
"Eu volto logo pra que você não precise sentir a minha falta. Tome conta do meu coração - eu deixei ele com você"

Edward Cullen, personagem de Stephenie Meyer
in Crepúsculo.
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quinta-feira, 2 de julho de 2009

Longe Daqui...

“É sempre o mesmo sonho. Ela está morta. Também está cega. Tudo o que consegue ver é uma explosão vermelha no interior de suas pálpebras, como se estivesse deitada de costas no campo mais longínquo de Turov no dia mais claro de junho, fechando os olhos sob o sol do meio-dia. O mundo inteiro desapareceu, as árvores, os pássaros, as chaminés; não há nada além de um céu branco que baixa suavemente e que se transforma em seu lençol. Um pedaço de palha a cutuca na face, ela o afasta com a mão e sente o sangue seco no rosto. Esfrega os olhos e sente os fios de sangue que lhe cerravam as pálpebras. Rolam por sua face, e entram na boca, coágulos de sangue duros como grãos de pimenta; vão amolecendo em sua língua... ela os cospe na mão e a mão se tinge de vermelho. Ela vê tudo, agora, em todas as direções. O chão vermelho. O marido caído no vão da porta, coberto por um sangue tão espesso que endureceu o camisão de dormir que ele usava. Há coisas no chão entre eles: o bule de chá da avó em pedaços, o balde, de cabeça para baixo, o pano que penduravam para ter privacidade. A mão de alguém. A mãe dela está caída também, estripada como uma galinha através do avental, que cai como uma cortina tosca dos dois lados do seu corpo. Lillian está de pé, nua, no cômodo vermelho, e a cor recua, feito a maré.Seu pai está junto à porta de entrada, de rosto para baixo, ainda segurando o cutelo que usaria contra os intrusos. Seu próprio machado está enterrado fundo em sua nuca. A caminha da filha está vazia. Há uma outra mão no chão, ali do lado, e ela pode ver a linha dourada da aliança de Osip. Lillian acorda com seus próprios gritos.
{...}

Deitada ao lado de Judith naquela cama quente e estreita, sua pele se arrepia com o choque do ar frio da noite, quando apenas segundos antes estava suando. Transformou as mãos em garras, para atacar os olhos azuis dele, injetados de sangue, mas mesmo assim de um azul celeste, e ele estendeu o braço para cortar Lillian de verdade, e o policial chamou os homens pelos nomes desta vez. Ergueu a voz de um modo amigável e firme, como se tivesse surpreendido garotos quebrando garrafas atrás de um celeiro ou incomodando uma garota no mercado. “Vão para casa, camaradas. Uma longa noite para todos — vão para casa agora. Já basta.” E o homem apunhalou Lillian uma vez no peito, do ombro até o quadril, depois sacudiu a cabeça, como se ela o tivesse feito perder tempo. O policial chamou novamente. O homem esticou as pernas para passar por cima dos corpos dos pais de Lillian e do marido dela e um deles derramou no chão uma xícara de chá; podia ter sido apenas um acidente, um momento de descuido enquanto ele limpava a faca na toalha de mesa da mãe dela. Então, os três saíram pela porta da frente e foram embora, seguindo adiante, na direção oposta à do galinheiro.”


Saiba mais Lendo Aqui!

{Trecho do Livro: "Longe Daqui" - Amy Bloom}

Sinopse: “Longe Daqui" é a história íntima e épica de Lillian Leyb, uma heroína acidental. Ao perder a família num pogrom russo, vai para os Estados Unidos sozinha, determinada a seguir em frente numa nova terra. Quando recebe a notícia de que a filha, Sophie, talvez ainda esteja viva, Lillian embarca numa verdadeira odisséia que a leva do mundo do teatro iídiche, no Lower East Side de Nova York, ao distrito do jazz de Seattle e, em seguida, ao Alasca, passando pelo lendário Telegraph Trail, rumo à Sibéria. Essa surpreendente viagem, conduzida pelo amor materno, faz de Longe daqui um romance belo e arrebatador, que cativa imediatamente o leitor.
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Opinião: A busca de Lillian por sua filha é o que move o livro... Uma maneira de escrever nada convencional da autora da um toque especial a ele. Gostei bastante do final que não se restringiu ao óbvio. E nos faz pensar que nossas buscas nunca terminam... É uma boa leitura
Editora: Nova Geração
Assunto: Literatura Estrangeira-Romances
ISBN: 9788520920985
Idioma: Português
Edição: 1
Número de Páginas: 224

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Ler Devia ser Proibido...

"Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram, meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não deem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verosimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade. O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas leem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais, etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. É esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova… Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos. Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores e alegrias, tantos outros sentimentos… A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.

{Guiomar de Grammont}

Adorei!
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