sábado, 29 de maio de 2010

A Menina que não Sabia Ler...


"Blithe tem dois corações, um quente, um frio; um iluminado, outro sombrio mesmo no dia mais ensolarado. A cozinha, onde o forno está constantemente ardendo, é alegrada pela gorda Meg, sempre sorridente e com os braços enfiados na farinha, normalmente flertando com John, o empregado, que tenta conseguir um beijo, mas contenta-se com uma bitoca enfarinhada. Na porta ao lado, com o fogo estalando durante nove meses do ano, fica a sala da governanta, onde se pode encontrar a Sra. Grouse sentada na poltrona costurando ou diante da escrivaninha às voltas com inúmeros papéis, tentando, como ela diz, dar sentido às coisas 'sem pé nem cabeça' - o que me parece contraditório - para que se encaixem. Esses dois aposentos formam um dos corações, o quente.

O coração frio (mas não para mim! Ah, não para mim!) bate no outro lado da casa. Mal-amada e esquecida, exceto por mim, a biblioteca não poderia ser mais diferente da cozinha: sem lareira, fria até no auge do verão, gelada no inverno, as janelas escurecidas por cortinas pesadas jamais abertas, de maneira que preciso roubar velas para ler e depois limpar os pingos incriminadores do chão. De uma ponta à outra mede 104 passos meus com sapatos, e 37 na largura. Três homens poderiam ficar em pé, um em cima do outro, e mal conseguiriam tocar o teto. Cada centímetro das paredes, tirando a porta, as janelas e os assentos abaixo delas, está coberto por prateleiras de madeira, do chão até o teto, todas ocupadas inteiramente por livros.

Nenhuma criada jamais entra aqui; o piso não é varrido, pois se intocado por passos, por que seria? As prateleiras não têm marcas de impressões digitais, as escadas móveis para se chegar às prateleiras mais altas são mantidas sempre no mesmo lugar, os livros suplicando para serem abertos, todo o lugar relegado à poeira e ao abandono.

Sempre foi assim (exceto quando havia governanta, pelo menos mais adiante), ao menos até onde me lembro, pois aqui cheguei pela primeira vez há um terço da minha vida, quando tinha 8 anos. Ainda não tínhamos governanta, porque Giles, que é três anos mais novo que eu, e a quem se destinava a educação, era considerado jovem demais para a escola ou para qualquer tipo de aprendizado, e um dia estávamos brincando de esconde-esconde quando abri uma porta estranha, uma que até então sempre estivera trancada - ou assim pensava eu, provavelmente devido à sua rigidez, que meu eu mais jovem não conseguiu vencer -, para me esconder dele ali, e descobri esse imenso tesouro de palavras. A brincadeira foi logo esquecida; fui de prateleira em prateleira, pegando um livro atrás do outro, espirrando com a poeira ao abrir cada um deles. É claro que eu não sabia ler, mas por algum motivo isso me deixava ainda mais maravilhada, todos os milhares - acho que milhões - de linhas codificadas com impressão indecifrável.

Muitos livros eram ilustrados, com xilogravuras e gravuras coloridas, citações frustrantes logo abaixo, cada uma delas mostrando a miserável impotência do tracejar dos dedos.

Depois, após receber uma reprimenda por ter desaparecido por tanto tempo que a Sra. Grouse colocara todo mundo à minha procura, não apenas as criadas mas também a enfarinhada Meg e John, pedi à Sra. Grouse que me ensinasse a ler. Instintivamente, nada falei da biblioteca e senti muito medo quando ela me olhou de forma estranha e disse:

- Muito bem, senhorita, o que foi que a levou a ter essa ideia?

Era uma daquelas perguntas que é melhor não responder, pois se você fica em silêncio, os adultos sempre partem para alguma outra coisa; falta-lhes a persistência das crianças. Ela respirou profundamente e soltou um longo suspiro.

- A verdade, Srta. Florence, é que não estou certa de que seu tio queira isso. Ele deixou muito clara sua visão a respeito da educação das mulheres jovens. Acho que ele diria que este não é o momento.
- Mas, por favor, Sra. Grouse, ele não precisa saber. Eu não contaria a ninguém, e se ele surgisse de repente eu poderia esconder meu livro atrás das costas e colocá-lo sob as almofadas da poltrona. A senhora poderia me ensinar em sua sala; nem mesmo os criados precisam saber.

{Trecho do Livro: A Menina que não Sabia Ler - John Harding}

Sinopse: Em uma distante e escura mansão, onde nada é o que parece, a pequena Florence é negligenciada pelo seu tutor e tio. Guardada como um brinquedo, a menina passa seus dias perambulando pelos corredores e inventando histórias que conta a si mesma, em uma rotina tediosa e desinteressante. Até que um dia Florence encontra a biblioteca proibida da mansão. E passa a devorar os livros em segredo. Mas existem mistérios naquela casa que jamais deveriam ser revelados. Quem eram seus pais? Por que Florence sonha sempre com uma misteriosa mulher ameaçando Giles, seu irmão caçula? O que esconde a Srta. Taylor? E por que o tio a proibiu de ler? Florence precisa reunir todas as pistas possíveis e encontrar respostas que ajudem a defender seu irmão e preservar sua paixão secreta pelos livros - únicos companheiros e confidentes - antes que alguém descubra quem ousou abrir as portas do mundo literário. Ou será que tudo isso não seria somente delírios de uma jovem com muita imaginação?

...

Opinião: Um livro cheio de mistérios a serem desvendados. A personagem principal tem uma mente muito aguçada e de muita imaginação que acaba criando um mundo só dela. A minha unica ressalva é sobre o final... Não ficou muito claro, cada um que for ler que decida seu próprio final... isso me decepcionou um pouco, mas vale a leitura.
Editora: Leya
Assunto: Literatura Estrangeira-Romances
ISBN: 9788562936111
Idioma: Português
Tipo de Capa: BROCHURA
Edição: 1
Número de Páginas: 288
Início: 21/05/2010
Término: 29/05/2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A Menina que não Sabia Ler...


"É uma história curiosa a que tenho que contar, uma história de difícil absorção e entendimento, por isso é uma sorte que eu tenha as palavras para cumprir a tarefa. Se eu mesma digo isso, quando talvez não devesse, é que para uma menina da minha idade tenho um ótimo vocabulário. Extremamente bom, para falar com franqueza. Porém, devido às opiniões rígidas de meu tio em relação à educação das mulheres, tenho escondido minha eloquência, soterrado meu talento e mantido apenas as formas mais simples de expressão aprisionadas no cérebro. Tal dissimulação transformou-se em hábito e foi motivada pelo medo, pelo grande medo de que, se falasse como penso, ficaria evidente meu contato com os livros e eu seria banida da biblioteca."

Florence, personagem de John Harding
in A Menina que não Sabia Ler

{página: 13}

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O Retorno...


"Ela voltou pontualmente às dez horas da manhã seguinte para encontrar Miguel. Estranhou vê-lo fora do contexto e sem o avental. Naquele dia, ele vestia paletó elegante verde-oliva e sapatos de couro muito bem engraxados. Sonia enxergou-o de modo um pouco diferente e percebeu pela primeira vez que ele devia ter sido extremamente bonito um dia.
-Buenos dias - disse ele, beijando-a nas duas faces. - Vamos a algum lugar tomar café antes de eu levá-la para o passeio. Tenho um lugar favorito.
Andaram alguns minutos até uma pequena praça dominada pela estátua de uma mulher.
- É Mariana Piñeda - explicou Miguel. - Se estiver interessada mais tarde posso lhe contar alguma coisa a respeito dela. Foi uma heroína feminista
Sonia assentiu.
O café aonde Miguel a levou era muito maior do que o seu e mais cheio de gente, mas o proprietário rival o recebeu calorosamente e provocou por estar acompanhado de uma "señora guapa". Quase todas as outras mesas estavam ocupadas por elegante senhores de idade que conversavam uns com os outros, enquanto vários homens de negócios permaneciam junto ao bar, todos lendo o El País. Cigarros fortes fumegavam numa fileira de cinzeiros. Os funcionários do bar trabalhavam zelosos, ligeiros, preparando tostadas com azeite, tomate ou geleia, ou então enxugando ruidosamente os talheres. Churros frescos brilhava debaixo de uma redoma de vidro. Duas mulheres bem vestidas, de seus cinquentas e poucos anos, os cabelos castanhos em penteados rígidos, levantaram-se para sair quando Miguel e Sonia chegaram, e os dois rapidamente se esgueiraram pra os lugares delas. Era um café movimentado e qualquer espaço ali valia ouro. Enquanto retirava dois copos de conhaque com as bordas manchadas de batom vermelho, o graçom tomou o pedido de Miguel e daí a instantes ambos estavam sendo servidos, a rapidez e eficiência dele eram tão agradáveis de se ver quanto uma dança.
- Por onde devo começar? - perguntou Miguel retoricamente.
Sonia inclinou-se para a frente, cheia de expectativa. Sabia que ele não esperava uma resposta.
- Acho que vou falar um pouco mais sobre a época imediatamente anterior à Guerra Civil - decidiu ele. - A metade da década que mencionei, entre o fim da Ditadura em 1931 e o começo da Guerra Civil em 1936. É o período conhecido como a Segunda República, e a família Ramírez viveu uma fase de relativa satisfação durante aqueles anos. Sim, isso mesmo, acho que seri um bom ponto por onde começar.

{Trecho Extraído do Livro: O Retorno - Victoria Hislop}

Sinopse:

Dor e paixão na Espanha devastada pela guerra.
Quando o passado retorna ao presente, o futuro se torna ainda mais imprevisível. E, nesse livro, redentor. Sonia Cameron está na Espanha, em férias, para comemorar o aniversário de 35 anos da melhor amiga com aulas de flamenco. Sua intenção é apenas dançar e se divertir. Em Londres, deixou a aridez e as exigências do cotidiano e um casamento em crise.

Em um café sossegado de Granada, contudo, uma conversa casual com o proprietário e uma intrigante coleção de fotografias antigas a atraem para a história extraordinária da Guerra Civil Espanhola e da vida de personagens locais encantadores e marcantes, como toureiros, dançarinas, músicos e o poeta García Lorca.

Setenta anos antes, o café era o lar dos Ramírez, família que, em 1936, presencia as piores atrocidades do golpe militar liderado pelo general Francisco Franco, e vivencia o despedaçar do frágil equilíbrio do país. Divididos pela política e pela tragédia, todos escolhem um lado e travam uma batalha pessoal à medida que a Espanha se dilacera.

O Retorno é uma cativante e complexa lição sobre perdas e lealdade, narrada em um contexto histórico fascinante e muito bem-construído. Encantador e profundamente comovente, o segundo romance de Victoria Hislop é tão inspirador quanto sua obra de estreia, o best-seller internacional A Ilha.

Opinião: Sou fã de romances históricos, e sempre quis ler algo que me contasse um pouco mais sobre a Guerra Civil na Espanha... e não me decepcionei!
Através da família Ramirez somos tranportados para uma Espanha devastada pela sua Guerra Civil.As esperanças, os ideais, a dor , as descobertas. Tudo alinhavado lindamente pelo amor a dança flamenca. Vale muito a pena! Um belíssimo livro.


Editora: Intrinseca
Assunto: Literatura Estrangeira-Romances
ISBN: 9788598078755
Idioma: Português
Tipo de Capa: BROCHURA
Edição: 1
Número de Páginas: 408
Início: 06/05/2010
Término: 20/05/2010

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Retorno...


Granada 1937

Na penumbra noturna do apartamento de venezianas cerradas, o clique discreto de uma porta se fechando penetrou o silêncio. Ao crime de chegar tarde, a moça acrescentava o pecado de tentar ocultar a volta sorrateira para casa.
- Mercedes! Deus do céu, onde é que você estava? - ouviu-se alguém dizer num sussurro áspero.
Um rapaz saiu da escuridão e surgiu no vestíbulo e a moça, que não passava dos dezesseis anos, viu-se frenta a frente com ele, a cabeça baixa, escondendo as mãos para trás.
- Por que você está chegando tão tarde? Por que está fazendo isso conosco?
Ele hesitava, oscilando entre o desespero total e seu amor inabalável pela moça.
- E o que está escondendo aí? Como se eu não soubesse...
Ela estendeu as mãos. Equilibrando nas palmas abertas, estava um par de sapatos pretos esfolados, o couro fino como pele humana, as solas gastas, quase transparentes.
Ele segurou os pulsos dela com delicadeza e os manteve presos nas suas mãos.
- Por favor, esta é a última vez que vou pedir a você... - suplicou ele.
- Sinto muito, Antonio - disse ela em voz baixa, agora olhando-o nos olhos. - Não posso parar. Não consigo.
- É perigoso, mi querida, é perigoso.

{ página: 9}

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